sábado, 7 de março de 2015

Já estás cá fora!

Já estás cá fora!
Nasceste com muita calma e muito amor. Foste muito corajosa e vieste ao mundo quando quiseste vir. Quase nem choraste. Só mesmo uma pequena manifestação para nos mostrares que tinhas vindo ao Mundo e que este haveria de conhecer a tua voz.
Vinhas com o cordão enrolado à volta do teu pescocinho e fomos as duas muito corajosas e mostrámos muita força e calma. Pedi a Deus que orientasse a enfermeira-parteira e aguentei. Naquele instante que pareceu uma hora, a enfermeira queixando-se do tamanho dos instrumentos, com movimentos rápidos e seguros cortou o cordão que te cingia o pescocinho. Acreditei em Deus e em pouco tempo estavas livre. A enfermeira mandou puxar mais um pouquinho. Já estavas cá fora!
Não te consigo dizer o que senti, porque nem sei bem o que foi. Estava feliz mas incrédula, contente mas cansada, cheia de fé no Mundo mas preocupada e padeci de mais um sem-número de sensações que me inundaram naquele momento em que te retiraram de dentro de mim e te pousaram em cima da minha barriga agora disforme. Bastaram poucos segundos para te levarem para ali ao lado para te ajudarem a respirar e te limparem a pele suja, molhada e coberta de fluídos. Sofri, logo ali. Queria-te tanto pousada sobre o meu peito a cheirar o meu suor... Mal choravas e eu, aberta e mal-tratada, não queria saber de mim. Olhei-te com dor e amor e esperei. [Agora mesmo bolsaste. Ficaste aflitita com o leite que era a mais e deitaste-o fora. Eu engoli a minha aflição e fiz o que me ensinaram. Limpei-te a cara, pus-te de lado, levantei-te as pernas. Respirei fundo. A tua respiração ainda não estava lisinha, havia qualquer coisa a obstrui-la. Peguei-te de barriga para baixo e levantei novamente as tuas pernas. Fizeste beicinho e aquele guinchinho que me faz crer que estás bem, deitei-te e fiquei descansada. Está quase na hora de mamares novamente.]
A enfermeira mais velha de cabelo curto tratava de ti. Levou-te a balança e chamou o papá. 3,350kg.  "Decore papá". O papá tirou uma foto. Ficou registado. Vestiu-te e aqueceu-te. Eu olhava-te esquecida de mim. Abstraía-me do que me faziam, do estado em que estava. Puseram-te ao colo do papá e eu descansei um pouquinho.
As enfermeiras empurravam-me e espremiam-me a barriga, puxavam e ajudavam-me a expulsar o que havia para expulsar. O parto é um momento mágico e milagroso, mas sujo e nojento. Puseram a placenta sobre a mesa de apoio. 550g. Parece q está tudo bem. Disseram. Saiu tudo o q era preciso sair.
A enfermeira-parteira, cosia o que havia para coser e ainda perguntei, rasgou? "Não, eu é que cortei". Eu disse qualquer coisa sobre o facto de estar a demorar algum tempo e ela afirmou que demora o seu tempo. Eu sorri e disse "claro, o que importa é que fique bem feito". Olhei-te novamente, ao colinho do papá que estava feliz, apaixonado e derretido. E eu, feliz, apaixonada e derretida.
As enfermeiras limpavam o que havia para limpar e eu esperava, com dor e amor, pelo momento em que te pusessem novamente nos meus braços.
Mudaram-me de cama e trouxeram-te para junto de mim. Chegou a hora. Estavas nos meus braços e eu feliz, apaixonada e derretida. Perguntaram-me se tencionava dar de mamar. Assenti. Sempre supus ser esse o meu destino,  dar alimento ao meu bebé. Minha mãe deu-me mama até aos 2 anos e minha avó aos filhos dela e aos das outras. Destapei a maminha, puseram-te ao meu peito, agarraste logo. Começaste logo a mamar como quem sabe o que quer e como fazer para o conseguir. As enfermeiras exclamaram: este bebé sabe exactamente o que fazer, outros, contudo, coitadinhos, precisam de tanta ajuda! Vieram-me as lágrimas aos olhos. Fiquei tão feliz por ti, por nós! O papá abraçava-nos feliz, apaixonado e derretido. E eu, feliz, apaixonada e derretida. Estavas cá fora.
Disseram-nos que o papá só podia ficar mais um bocadinho e ele ficou um pouquinho triste, com o coração apertadinho. As enfermeiras esticaram o tempo um pouquinho, foram amigas. Mas mesmo assim, logo chegou a altura do papá sair. Foi para casa um pouquinho triste e já cheio de saudades.
Levaram-me para o outro quarto, grande, com meia dúzia de camas. Puseram-me gelo sobre a barriga e no corte. Pedi água. Disseram-me, ainda não. Tu mamavas ainda. Mamaste muito tempo.  Mais de uma hora. Primeiro de um lado e depois do outro. Estavas cá fora e tinhas fome de vida. Olhava-te feliz, apaixonada e derretida. Vi nas tuas caretas traços do meu pai. Emocionei-me e chorei um pouquinho. Estava feliz, apaixonada e derretida. Estavas cá fora.
Vinham-nos ver de vez em quando. Trouxeram-me comida e bebida. Tiraram-te de ao pé de mim e pousaram-te num berço. Fiquei um pouquinho triste, mas tinha de ser. Bebi um ice tea, que me soube pela vida. Comi a sopa, pão, arroz e couve-flor. A carne não. Parecia frango. Já me conheces.

Obrigada senhoras enfermeiras. Não há palavra mais forte no mundo para vos deixar. Obrigada do fundo do meu coração, do mais profundo do meu ser.

Esperei um pouco e depois vieram-nos buscar. Puseram-te novamente nos meus braços. Abracei-te. Estavas cá fora, eras minha. Levaram-nos pelos corredores do hospital, subimos de elevador. Piscavas os olhinhos e fazias caretas enquanto passávamos pelas luzes dos corredores. Abracei-te tive medo que tivesses frio e te assustasses.
Quarto 204, cama 10. Foi aqui que ficámos enquanto estivemos no hospital. A enfermeira de olhos claros e de quem gostámos muito veio ter connosco. Jovial, doce e segura, fez-me as perguntas da praxe. Respondi e perguntei se podia ir à casa-de-banho. Ainda não daqui a pouco. Chegada a altura disse-me que me podia levantar e a outra enfermeira, mais baixinha e com uma pronúncia característica, aquela que nos levou a conhecer o hospital, veio ajudar-me. Perguntaram se me sentia bem. Disse que sim. Explicou-me como havia de fazer. Primeiro chichi aqui, depois água fria acolá.
Estava na hora de mamares novamente. As nossas malas ainda não estavam cá em cima (o papá tinha-se atrasado e agora as auxiliares). A enfermeira trouxe-nos fraldas e algodão. Mostrou-me como te mudar. Já tinhas feito uma cocozada.  Fiquei contente. Mudei a tua primeira fralda. Já estás cá fora! Não me atrapalhei nada. Mamaste novamente. E dormimos as duas um pouquinho, aos pouquinhos.
Estás cá fora, e eu, feliz, apaixonada e derretida.
Amo-te, minha Pimentinha. És minha, do papá e estás cá fora!

Sem comentários:

Enviar um comentário